terça-feira, 14 de setembro de 2010

Roda chinesa divide indústria automobilística da Europa

A União Europeia deve impor uma tarifa punitiva às importações de rodas de alumínio da China, numa disputa que mostra como a evolução chinesa para indústrias mais sofisticadas é motivo de tensão crescente com alguns de seus parceiros comerciais mais importantes.
Um comitê comercial da UE vota hoje uma medida para estender uma tarifa antidumping existente desde maio e a elevar de 20,6% para 22,3%. Pessoas a par da opinião do comitê dizem que ela deve aprovar a tarifa, que precisaria ainda ser ratificada pelos governos da UE.
Uma nova rodada de tarifas pode criar uma guerra comercial com a China no setor automotivo - uma possibilidade que prejudicaria montadoras europeias como a Daimler AG e a Volkswagen AG, para as quais o boom automotivo chinês se tornou uma fonte importante de lucros.
"As disputas comerciais com a China costumavam ser sobre sutiãs, sapatos e tábuas de passar", diz Simon Evenett, professor de economia do comércio na Universidade de St. Gallen, na Suíça. "Agora eles se sofisticaram e, cada vez mais, será sobre carros."
Mas o cenário no comércio de carros está longe de ser simples. As montadoras europeias e as fabricantes de autopeças estão profundamente divididas com relação à tarifa, com as montadoras fazendo lobby ferrenho contra ela e as fabricantes de autopeças fazendo campanha em seu favor.
Aqui em Landau, no sul da Alemanha, a altamente automatizada fábrica de rodas da Ronal AG emprega 480 pessoas para moldar e polir as rodas de alumínio para carros de luxo. A fábrica produz cerca de 2 milhões de rodas por ano.
A Ronal tem defendido com todas as forças as tarifas antidumping. Oliver Schneider, gerente de vendas da empresa, diz que "precisamos dessas tarifas se quisermos continuar expandindo nossos negócios".
Sem as tarifas, afirma a empresa, podem ser eliminados os empregos dos operários da fábrica de Landau e em outras fábricas da Europa que, juntas, produzem 10 milhões de rodas por ano. Por causa da concorrência chinesa, afirma a Ronal, ela não abre uma fábrica nova desde 2006.
Mas a Ronal e outras fabricantes de rodas estão em conflito com vários clientes importantes na Europa. As montadoras alegam que as tarifas se arriscam a motivar uma represália chinesa, que pode prejudicar as exportações de carros e peças para a China, o mercado automotivo que está crescendo mais rápido no mundo, e também aumentar o custo dos carros europeus.
"Sem a China, uma montadora não tem futuro", diz um lobista da indústria automotiva em Bruxelas que preferiu manter o anonimato. A China é a maior mercado de veículos do mundo, tendo ultrapassado o Japão e os Estados Unidos nos últimos anos, e continua a se expandir rapidamente.
A UE exportou US$ 5 bilhões em autopeças para a China em 2009, e esse mercado deve continuar crescendo bastante. As exportações de veículos também aumentaram. Só as exportações de carros alemães à China, por exemplo, mais que dobraram entre 2004 e 2009.
No caso do dumping das rodas de alumínio, a China nega que exporte a preços abaixo dos de mercado ou com prejuízo. "O preço das exportações chinesas de rodas é muito maior que o da venda interna, o que significa que as exportações chinesas de rodas não são dumping", diz Li Xiaoqing, representante da Associação de Montadoras da China.
Quando as tarifas antidumping contra as rodas da China foram criadas, em maio, o Ministério do Comércio chinês afirmou que a UE estava violando regras da Organização Mundial do Comércio. E o lado chinês afirmou também que iria retaliar. "Claro que temos nossas medidas defensivas caso a UE insista em estender as tarifas", diz Li.
Há um precedente. Ano passado, Pequim aumentou imediatamente as tarifas do frango e das autopeças americanas depois que o governo do presidente Barack Obama aumentou a tarifa de importação dos pneus chineses.
A questão pode gerar muitos problemas. Como nos EUA, os carros ainda estão no centro da indústria europeia. Só as exportações de autopeças da UE geraram US$ 100 bilhões ano passado, contando o comércio entre os membros da UE. E a UE também disputa com a Ásia para liderar o futuro do setor.
Obviamente, as rodas são um componente automotivo crucial, embora dois pares custem menos de US$ 150. Quase todas eram feitas de aço, mas desde os anos 70 as montadoras começaram a usar cada vez mais alumínio, um pouco mais caro, contudo mais leve e fácil de esculpir em formatos elegantes e aerodinâmicos.
Para mostrar que há dumping, os autores das queixas comerciais precisam provar que o produto em questão está sendo vendidos mais barato porque são fabricados a um custo abaixo do razoável, e que isso está tirando do mercado os produtores domésticos, um conceito chamado de "injúria".
O preço do alumínio corresponde a cerca de 50% do custo de uma roda automotiva, segundo pessoas do setor. Os fabricantes de rodas fora da China compram o metal de acordo com a cotação da Bolsa de Metais de Londres.
As fabricantes europeias alegam que as concorrentes chinesas se beneficiam do alumínio subsidiado. Os investigadores da Comissão Europeia concordam e concluíram que "o Estado chinês tem um papel primário no estabelecimento do preço do alumínio básico e interfere no mercado continuamente por meio de uma série de ferramentas".
A injúria geralmente é defendida com dados mostrando uma expansão rápida da participação no mercado. Mas não desta vez. As fabricantes europeias de rodas preferiram apontar o encolhimento de suas próprias margens.
Os baixos preços chineses derrubaram a margem de entre 7% e 10% para 3,2%, dizem os fabricantes europeus.
A Ronal e outras empresas europeias tentaram aumentar a automatização para concorrer melhor. Mas suas fábricas ainda não são tão avançadas quanto as chinesas termos de tecnologia industrial.
Na fábrica de Landau, o gerente de projeto Jurgen Becker assiste a um torquês gigante retirar uma roda de uma máquina de polimento: "A fábrica na China provavelmente é igual, mas com menos gente e mais robôs", diz ele. (John W. Millerm, The Wall Street Journal, de Landau, Alemanha. Colaborou Gao Sen, de Pequim)



Fonte: Valor Econômico, 14 de setembro de 2010, B4.